PROFETAS DO PROFUNDO

minha religião é a poesia.
assim, aleijadinho da alma,
esculpi meus profetas em carne e palavras.

não estão em altar
- e não gostariam -
estão expostos à vida, lá fora.
lugar que aponta para dentro.

o profeta Fernando Pessoa foi o primeiro,
ensinou-me a ser deste mundo,
que Deus está nas flores
e que é preciso viver.
profeta que não nos deixa esquecer.
tapa na cara todo dia.

depois veio Drummond,
profeta brasileiro, de uma terra santa,
repleta de igrejas.
abandonou-as, foi morar perto da praia.
ali cumpriu sua sina:
escreveu, escreveu e me convenceu
de que as palavras prestam para tudo
- só não pode é lutar com elas -

Manuel Bandeira apareceu num dia que eu estava distraído.
levou-me para vadiagem,
chegamos tarde da noite.
depois de curtos versos de alegria e de dor,
pude vê-lo rezando para Nosso Senhor.
Um homem lindo que, se não fosse a minha certeza de ser ele um profeta,
diria que era o maior de todos os poetas.

nas ruas de Curitiba, Paulo Leminski gritava suas profecias.

era Deus-Palavra saindo da boca de um louco.
ser só são não servia à poesia.
mas era sã sua alegria.
e suas letras e sons ainda cobrem o céu daquele lugar.

a histeria feminina, anunciada por Freud, encontrou cura nas orações de Adélia Prado,
profetisa da carne que há na cruz,
fez as palavras se curvarem a um Deus mais nosso.
Sua profecia ensina a mulher a tocar um homem
e me ensinou, religiosamente, a comer o peixe preparado com suas mãos.

Ferreira Gullar não aceita a encomenda de ser profeta.
quer encostar no espanto que é estar vivo.
é de um Brasil mais moderno.
e parece não ter medo de ser tão humano.
diz que faz poesia, mas na verdade, profetisa nossa condição.
gosto do seu jeito de explicar a vida.
é profeta da solidão mais bonita que conheço.

escondido em algum sertão brasileiro,
um profeta menino anuncia coisas que não prestam.
os homens, distraídos, não sabem que ele
está há anos preparando uma revolução.
seu nome é Manoel de Barros,
e as palavras, com ele, tiram férias da significação.

pisando as palavras com seu sapato florido,
um homem comum caminha por entre
ruas e bares no sul do Brasil.
está sozinho e leva na memória umas idéias que precisa escrever.
não descansa enquanto não achar tinta e papel.
é o profeta Mário Quintana,
deixando os dias absorverem o que ele intui.
rabisca seus amores em pequenos poemas, profecias gigantes,
lembranças que povoam a pele dos que se bastam com esta vida.

minha religião é a poesia.
assim, aleijadinho da alma,
esculpi meus profetas em carne e palavras.

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