TEXTO DE ELISA LUCINDA "PERDÃO, PROFESSOR!" COM RESPOSTA DE PAULO FERNANDES


 Perdão, professor! (parte 2)  -  TEXTO DE ELISA LUCINDA

Peço perdão, professor, o seu dia 15 passou e há pouco para comemorar, a não ser o avanço nas negociações do fim da greve e a persistência dos que, apesar dos pesares, inventam caminhos, burlam tolas regras, criam atalhos para provocar algum pensamento, alguma reflexão na sala de aula. Louvo a resistência daqueles mestres provocadores do saber, dos inventivos que fazem, muitas vezes, de sua casa o cinema da cidade, e se transformam nos verdadeiros secretários de cultura daquela comunidade. Parabéns a estes visionários sonhadores, mas sigo pedindo perdão por um sistema educacional que faz com que a categoria vire uma legião de mal pagos, mal cuidados, mal capacitados na corrida aflita por certificados e lista de presença em cursos burocráticos. Peço perdão à dedicada e comovente professora baiana, Ivonete, que me disse chorando, que até o ano 2000 os professores de ensino fundamental em Salvador eram semi analfabetos. Enquanto essa cena acontecia, policiais, também em franco desamparo educativo, atacavam violentamente os professores em greve, numa atitude emblemática de como o país trata seus mestres. Parecem menos importantes que o pré-sal, parecem menos importantes que o petróleo, parecem menos importantes que as armas, os bancos e os carros. Pois não haverá bom futuro sem que o professor mantenha a cabeça erguida diante de um país que volte a considerar esta profissão como modelo, e sem que este professor se assuma e assuma a nação como protagonista da história. Precisamos cuidar dele. Por suas mãos passam gerações. Muito mais caro nos sai o descuido por ele. Se ele não entender uma poesia e não souber dizê-la, seus alunos também não entenderão; se ele for inseguro, frio, não criativo, inflexível e opressor, provavelmente das mesmas mazelas e desamparos essas gerações perecerão. O mestre é o espelho da nação.
Em uma parceria entre OIT, Fundação José Silveira, em Salvador, FUNDAC e nós da Casa Poema, estamos capacitando gestores e sócio educadores em Unidades de Internação onde ficam crianças e adolescentes que cometeram crimes, a usarem a poesia como ferramenta de autoconhecimento, como reconstrutora da cidadania e preconizadora da paz. Raramente se vê um verso que conclame a guerra, que incite a matança de inocentes. O poeta é um pacifista, um quixotesco pensador que acredita na possibilidade de justiça no mundo. Portanto, essa arte que é interdisciplinar, deve estar na sala de aula, na cidade, na vida cultural do país. Normalmente as Unidades que se dizem sócio educativas dos menores infratores não os educam; há tímidas iniciativas que apontam para o reencaminhamento desse menino à trilha do sonho, mas ainda é pouco. Todos sabemos o quanto essas instituições se assemelham à prisões. Por isso, é importante este trabalho de cuidar de quem cuida deles.
Claro que há belas exceções, mas via de regra, o Brasil tem um corredor dos excluídos na Escola Pública e outro corredor de excluidores na escola privada, os pseudos privilegiados, que também não recebem uma educação humana, criativa, uma cultura reflexiva que faça pensar, uma arte-educação que desenvolva os sentidos. Triste pátria! Se escarafuncharmos encontraremos a falta de educação no fundo em todas as feridas brasileiras. A ignorante desconsideração pelo coletivo numa sociedade individualista conectada mais virtualmente do que na vida real acirra a corrupção, gera o desprezo pelo outro, pelo meio ambiente, pelo planeta. Foi a má educação do velho provérbio “farinha pouca, meu pirão primeiro”, que levou o país a esta bancarrota moral deixando a classe política e toda sociedade, em geral, eticamente em maus lençóis. O lixo entupindo os bueiros, os rios poluídos, até capitais sem saneamento básico, hospitais sem leitos, polícia que mata trabalhador, tudo isto encontra na desnutrição educativa o seu motivo. Não acredito em outra revolução que não seja educacional e os protagonistas desta revolução são os professores. Clamo por uma campanha que os priorizem, que compreenda estes profissionais como o maiores produtores de desenvolvimento de uma nação. Dizem que só há uma maneira de se prever o futuro, construindo-o. O que estamos fazendo então? Caminhando para o abismo? Peço perdão a você, mestre, que merece maior importância dentro da palavra progresso. Vivemos num país que não reflete, num país que, em vez de se conhecer, alisa suas raízes, perde seus índios, perpetua a discriminação, desmata e entra em descompasso com uma sociedade que já aprova a união homoafetiva, por exemplo. Torço para que eduquemos os professores que ficaram paralisados e que pensam não ter nada mais a aprender; estes que há mais de 20 anos não memorizam sequer uma canção; escrevo também para fortalecer aos que, mais preparados, se sentem solitários na contramão de uma escola perdida arte e dos tão preciosos recursos humanos.
Perdão, professor, porque separamos a arte da cultura, perdão pelo desmatamento, perdão, porque há políticos que roubam, perdão porque muitas famílias perderam o diálogo, perdão por olharmos só para o nosso próprio umbigo, perdão por chamarmos o cabelo crespo de cabelo ruim, perdão porque vocês são mal pagos, perdão porque a polícia não nos protege, perdão pelos presídios-universidades do crime, perdão pela intolerância, pelo racismo institucional, perdão pela guerra e pela cega ambição. Perdoa, é tudo falta de educação.

Elisa Lucinda, outubro, 2013.



TEXTO DE PAULO FERNANDES EM REPOSTA AO TEXTO "PERDÃO, PROFESSOR!" DA ELISA LUCINDA 
 
Licença para postar seu texto, com créditos, num grupo de professores no Facebook. Seu texto é um alento, sei que de você não deveria esperar outra coisa. Mas, querida Elisa Lucinda, precisamos de apoios mais presenciais. Figuras públicas como você são fundamentais nessas manifestações que fazemos. Nos daria garantias e crédito (embora saibamos do nosso crédito, mas vivemos num país, como você sabe, que despreza a Educação). Seria mais fácil se todos ajudassem um pouquinho. Imagine: a polícia não daria porrada nem soltaria bombas numa passeata que tivesse Fernanda Montenegro, Roberto Carlos... Mas as pessoas não colaboram. Falam sempre de Educação, assim como os políticos para auto promoção, e não passam disso: falar. Desculpe ser tão honesto contigo, minha poetisa, mas me parece que só a fala não está adiantando. Estou sendo ingênuo? Imaginar o Rei Roberto numa passeata... Acorda, professor! É preferível rezar, como ele faz, pelas crianças pobres né? Não quero ser grosseiro, mas ele poderia fazer muito mais pelas crianças do que cantar no Criança Esperança. E não gastaria um centavo. Não estamos lutando só por dinheiro, qualquer aumento que se dê a um professor, não paga seu trabalho. Estamos lutando por educação e pela Educação. Isso é nítido. Mas estamos vivendo um impasse em nossa sociedade: quem está lutando e fazendo greve são professores. E fica feio dar porrada e fingir que eles não existem, não é? Então, temos que fazer média. Afinal, vão dizer: "Eles são a base de nossa sociedade." E quando olhamos a vida, o que vemos? Abandono, descaso e humilhação. As pessoas não querem perder tempo, na realidade, com esses assuntos chatos. Acham que o mundo vai mudar naturalmente ou com um milagre. Vivemos num país desconfiado da política, isso é interessante para políticos corruptos, pois querem que pensemos assim. Atitudes políticas são necessárias. E a privatização dos afetos está "ferrando" com o nosso povo. Não quero estatiza-lo também. Não acredito num mundo maquiavélico. O que os professores trazem é uma tomada de consciência e não temos outra ferramenta, no momento, que não seja a greve. Em sala de aula já demos nossas almas, usamos outras ferramentas, como a poesia, que prezo tanto. Querida, Elisa, já viu de perto uma passeata nossa? Deveria ver. Vivi momentos de poesia ao lado dessas pessoas. Pessoas que estavam depositadas numa escola da periferia e passaram a retomar o amor à profissão, autoestima. Criativas, cantando canções e fazendo coreografias, um exemplo para nossa sociedade carioca, que anda tão careta, acreditando que democracia é ter direito de fazer churrasco e mexer a bundinha, seguras por milicianos ou traficantes. Minha cara, porque o Prefeito do Rio não vê isso? Vou arriscar uma resposta: É o único dinheiro que pode ser desviado que ninguém vai sentir falta. Sabe por quê? Você já deu a resposta no seu texto: No Brasil, ninguém respeita a Educação. Elisa, vou falar para você o que falo para meus alunos quando aprontam alguma e depois vêm pedir desculpas, que ouço o ano todo: "Não peça desculpas. Tome uma atitude!"

Paulo Fernandes, 23 de outubro de 2013.

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